terça-feira, 23 de março de 2010

Meu caso de amor com uma velha

Já passava das 23:00 e eu estava sozinha em frente a faculdade, esperando meu amigo me buscar para sairmos. Fumava. Ela apareceu. Carregava sacos, de algum reciclável ou coisa do tipo. Era pequena e eu só notei sua presença - do outro lado da rua - quando me gritou pedindo por um cigarro. Claro, respondi. E ela atravessou a rua correndinho. Estranhamente de perto parecia menor ainda e mais magra. Tinha olhos de dor. Expressão de cansaço.

- Moça, cê sabe onde fica Sarandi?
- Nossa, não sei te dizer, não.
- O moço falou que aqui eu tô perto do cemitério...
- É, se você for reto aqui vai dar lá no cemitério...
- Eu não quero cemitério não, cruz credo, quero ir pra Sarandi, acho que o homê me falou o caminho errado...

Nunca tive tanta vontade de saber uma direção. Passei algum tempo olhando ao redor, como que tentando me lembrar para onde ficava Sarandi. Mas eu não sabia. Impossível lembrar-se do que não se sabe. Fui interrompida por minha memória: Ela havia pedido um cigarro. Tirei o maço da bolsa e dei um cigarro a ela, que me agradeceu. Tragou e me olhou por um instante.

- Cê tá saindo da escola?
- Estou sim.
- Que série cê tá?
- Segundo ano, da faculdade.

Ela sorriu. E emudecemos por alguns instantes.

- Que bom. Deve ser bom estudar...

Eu entristeci, mas sorri.

- Eu vô andá a noite toda...

Calei. E ocupei-me tanto em olhar nos olhos dela e sentir meus milhares de batimentos cardíacos acelerados que, sinceramente, não faço idéia de qual foi minha expressão facial no momento.

- Mais tá bom né, Deus sabe o que faiz.

E sorriu. E eu sorri para ela. Mas não aguentamos mais que alguns segundos. E nossos sorrisos deram lugar a interrogações. Ela de forma mais sutil, por sorte eu já havia chegado tão dentro do seu olhar que consegui perceber. E lá estava uma imensa interrogação de quem já estava cansando de repetir para si mesma que o tal deus sabe o que faz sem ter certeza se ele sabe mesmo.

Agradeceu novamente. E voltou a andar.

Na metade da outra quadra parou. E meu olhar, que a seguia, encontrou o dela. E ficamos ali paradas nos olhando durante todos os minutos que sucederam a chegada do meu amigo. E durante aqueles minutos nós nos amamos, a uma quadra - e uma vida - de distância nós nos amamos. Eu a tive como filha e ela me teve como mãe. Eu sentia o coração dolorido dela, bem como ela sentia o meu. Eu me senti insignificante frente a ela e a sua dor, bem como ela se sentiu insignificante frente a mim e meu tamanho. Mas sabíamos que tínhamos o mesmo coração. Tivemos certeza naqueles minutos que tínhamos exatamente o mesmo coração. E a mesma dúvida. Deus sabe o que faz?